Panorama das emendas orçamentárias no governo Bolsonaro

Postado por OLB em 21/08/22

Joyce Luz

Apresentação

Durante a campanha de 2018 e nos primeiros meses de governo, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), afirmou em diversos veículos de notícias[1] que não praticaria a “velha política”. De modo mais claro, anunciava que não recorreria à formação de uma coalizão de governo – entendida como a distribuição de pastas ministeriais para os partidos políticos situados no interior do Legislativo – para conseguir o apoio nas votações da sua agenda.

Contrariando as expectativas, o ano de 2019 se mostrou como um verdadeiro desafio para o presidente. Conforme os dados divulgados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), Bolsonaro encerrou seu primeiro ano de mandato com uma taxa de sucesso legislativo de apenas 31%[2] – a menor taxa observada desde 1989. Se o presidente esperava construir a tão sonhada governabilidade somente na base do diálogo com parlamentares e partidos, a baixa aprovação das suas propostas no interior do Legislativo mostrou que seria preciso negociar com os atores políticos para construir uma maioria de apoio nessa arena.

Uma das medidas adotadas para resolver esse problema, e já apontada anteriormente pelo o OLB, mostrou que o distanciamento da “velha política” durou pouco. Em 2020, o presidente distribuiria o comando e cargos no interior dos ministérios para partidos e parlamentares pertencentes ao grupo do Centrão[3].

E, para além dos incentivos dados com a distribuição de cargos, outra medida adotada por Bolsonaro foi a de recriar a modalidade das emendas orçamentárias do relator-geral, as famosas emendas RP9. Dada a impositividade das emendas individuais, em vigor desde 2015, e a baixa margem para distinguir a liberação desses recursos entre quem apoia e quem não apoia o governo, a saída adotada pelo presidente foi a de voltar no tempo e devolver ao relator geral da peça orçamentária o poder de, ao longo do ano orçamentário, alocar receitas em rubricas já presentes na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Alvo do escândalo de corrupção, conhecido como “Anões do Orçamento”, a retomada das RP9 chama a atenção e preocupa os especialistas, dado que essas emendas não possuem limite de recursos e nem de quantidade. Assim como acontecia até 1995, o relator geral da LOA ganhou o poder de alocar recursos de forma ilimitada e sem necessidade de autorização prévia do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.

Essas emendas compõem hoje o elemento central do “Orçamento Secreto” – denunciado pelo Jornal “O Estado de São Paulo”. Nesse esquema, o relator geral tem como principal responsabilidade e atribuição usar seu poder para elaborar emendas com base na indicação de parlamentares para a alocação de recursos em obras e em municípios específicos. Sem limites de valores e de quantidades, as RP9 passaram facilmente a ser usadas como moeda de troca para a formação de maiorias de apoio ao governo no interior do Congresso.

O adjetivo “secreto”, no entanto, provém do fato de que o relator geral, ao propor as RP9 não precisa identificar as localidades para alocação dos recursos, bem como os parlamentares que serão beneficiados pela sua indicação. Na identificação das emendas de relator a única informação que existe é a de que elas pertencem à categoria de emendas RP9, sem, contudo, apontar quem serão os beneficiados com o dinheiro. E apesar das sucessivas tentativas da oposição e até do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir maior transparência a essas emendas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada para o exercício financeiro de 2023 (PLN 5/2022) garantiu a manutenção do seu caráter secreto. A única vitória da oposição foi a retirada do trecho da proposta que previa que essas emendas fossem impositivas, assim como as individuais.

Só para o ano de 2023 a LDO reservou o equivalente a 19 bilhões de reais para a execução das emendas de relator. Valor este que equivale à soma dos valores reservados para a liberação das emendas individuais e de bancada. Para lançar luz sobre a aprovação e execução das emendas orçamentárias, o OLB preparou um raio-x das dessas emendas durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro (PL) até agora.

Panorama das emendas orçamentárias

Após a sua recriação, as emendas de relator geral, RP9, passaram a ser a modalidade de emendas orçamentárias com os maiores valores aprovados na LOA. Ao longo dos anos, os valores aprovados para tais emendas chega a ser, em média, até 3,5 vezes maior do que o valor aprovado para as emendas de bancada e 1,8 vezes maior do que os recursos aprovados para as tradicionais emendas individuais. Como mencionado anteriormente, para 2023, a expectativa é a de que as emendas RP9 atinjam os 19 bilhões de reais em valores aprovados.

Gráfico 1. Valores aprovados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022.


Fonte: SIOP e OLB

A diferença entre as modalidades das emendas diminui quando observamos os valores executados. Desde 2020, as emendas de relator passam a ter os maiores valores liberados pelo Executivo. No entanto, em 2021 e 2022 a diferença para as emendas individuais passa a ser menor, de aproximadamente 50 milhões e 300 milhões, respectivamente. A maior diferença é quando comparamos os valores das emendas de bancada. As RP9 são até 2 vezes mais executadas que as emendas de bancadas.

Gráfico 2. Valores executados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022.


Fonte: SIOP e OLB
*Os valores executados para 2022 foram considerados até o dia 12/07/2022.

As emendas individuais, até a recriação das emendas de relator, eram aquelas com maior proporção de execução. Desde 2020, no entanto, elas passaram a representar parcelas menores do total de recursos, devido ao protagonismo das emendas de relator geral que passaram a abarcar parcelas semelhantes. Destaca-se, também, a queda das parcelas destinadas para as emendas de bancada. Entre os anos de 2019 e 2022, tais emendas sofreram uma queda de 11% da parcela dos recursos executados. O gráfico 3 traz essas informações.

Gráfico 3. Porcentagem de recursos liberados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022

Fonte: SIOP e OLB

Distribuição das emendas individuais orçamentárias x Distribuição das emendas de relator-geral

Dada a impossibilidade, advinda do componente “secreto”, de identificar os parlamentares beneficiados, bem como as localidades atendidas com as emendas orçamentárias de relatores, o STF determinou, em junho de 2021, que os integrantes do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) divulgassem os valores e os municípios por eles indicados, beneficiados com as emendas de relatores. Até junho deste ano, no entanto, somente 66,7% dos Deputados Federais cumpriram a determinação. Dos quase 30 bilhões de reais aprovados para essa modalidade de emenda, apenas 10,9 bilhões de reais foram até agora mapeados e identificados.

Desse total, 82% foram indicados por parlamentares pertencentes ao Centrão, mas o fato é que a falta de transparência ainda compromete a total e completa identificação dos valores e parlamentares beneficiados com as emendas de relator. A vantagem comparativa do Centrão também pode ser observada na execução das emendas individuais orçamentárias – modalidade esta em que o parlamentar obrigatoriamente deve informar os valores e indicar as localidades para aporte de recursos. Desde 2019, parlamentares ligados ao grupo do Centrão possuem os maiores valores e as maiores parcelas de recursos em emendas executadas. Eles chegam a executar até 2 vezes mais suas emendas do que os parlamentares de outros partidos.

Gráfico 4. Recursos liberados na LOA para as emendas individuais orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022 por partidos


Fonte: SIOP e OLB

Em média, 68% de todas as emendas individuais executadas foram de indicação de partidos do Centrão ao longo dos anos de 2019 e 2022.

Gráfico 5. Porcentagem de emendas individuais orçamentárias executadas entre os anos de 2019 e 2022 por partidos


Fonte: SIOP e OLB

Um parlamentar que pertence ao Centrão recebe, em média, até 1,5 vezes mais recursos do que um parlamentar cujo partido não compõe esse grupo.

Gráfico 6. Média de emendas individuais orçamentárias executadas por parlamentares e partidos entre os anos de 2019 e 2022


Fonte: SIOP e OLB

Pontos de destaque

  • A recriação das emendas orçamentárias de relator geral (RP9), em 2020, somada à distribuição de cargos nos ministérios, marcou a virada de perspectiva do governo na sua relação com o Legislativo, para garantir maior aprovação de suas propostas no Congresso.
  • As RP9 passaram a ser a modalidade de emendas orçamentárias com os maiores valores aprovados e executados desde a sua recriação. Até 2019, eram as emendas individuais, em função inclusive do seu caráter impositivo, as mais executadas dentre as demais modalidades.
  • Dada a não obrigatoriedade de identificar proponentes e localidades beneficiadas, as RP9 têm se mostrado um desafio para a maior transparência e identificação dos gastos. Apesar das determinações do STF, somente 66,7% dos Deputados Federais informaram os valores e as localidades indicadas nas RP9. Dos valores identificados até agora, 82% foram indicados pelo Centrão.
  • Na execução das emendas individuais orçamentárias, parlamentares do Centrão são os mais beneficiados com recursos. 68% dos recursos executados nesta modalidade são para partidos do Centrão. Parlamentares deste grupo também costumam ter até 1,5 vezes mais recursos executados do que parlamentares de outros partidos.

[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/bolsonaro-e-diplomado-e-prega-ruptura-com-a-velha-politica-nao-mais-a-corrupcao/
https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-a-cadeira-presidencial-e-como-a-criptonita-para-o-super-homem/

[2] Os dados, bem como a metodologia usada pelo OLB, podem ser visualizados no nosso site: https://olb.org.br/monitor/

[3] Para saber mais sobre a relação do Centrão com o atual governo de Jair Bolsonaro, basta acessar o relatório produzido pelo OLB sobre o tema: https://olb.org.br/ciencias-sociais-articuladas-o-centrao-na-camara-e-o-governo-bolsonaro/

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