O Pacote da Destruição em pauta

Postado por OLB em 24/06/22

Joyce Luz

Apresentação

No dia 9 de março, artistas, representantes da Sociedade Civil, lideranças de importantes movimentos sociais e de Organizações Não Governamentais (ONGs), ligadas à área de meio-ambiente, se reuniram em Brasília para o chamado “Ato pela Terra”. Organizado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, o ato teve por objetivo reunir pessoas e organizações para protestar contra o chamado “Pacote da destruição”, em tramitação no Congresso Nacional.

O “Pacote da destruição” é atualmente composto por seis projetos de lei listados e classificados pelo “Movimento 342 Amazônia” e outros diversos atores como danosos aos interesses socioambientais. Em nota anterior, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) apresentou detalhadamente o conteúdo e impacto de cada um destes seis projetos.

Abaixo colocamos, de maneira sumarizada, a identificação e resumo das propostas.

Tabela 1. Identificação dos Projetos que compõem o “Pacote da Destruição”

Projeto Resumo Proposto por Em análise
PL 2159/2021 Flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. Câmara Senado
PL 2633/2020 Flexibiliza as regras para a regularização fundiária Câmara Senado
PL 510/2021 Flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistoria Senado Senado
PL 490/2007 Flexibiliza as regras que versam sobre as demarcações de terras indígenas (PL do Marco Temporal) Câmara Câmara
PL 191/2020 Regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas Poder Executivo Câmara
PL 6299/2002 Flexibiliza as regras para a aquisição de agrotóxicos Senado Senado

Dentre os seis projetos do pacote, quatro encontram-se em análise no Senado Federal, enquanto outros dois estão na Câmara dos Deputados. Em meio a inúmeros pedidos para que os projetos fossem barrados e em resposta aos manifestantes, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu ter cautela na análise dos projetos de lei que estão tramitando na casa e ainda ressaltou a necessidade de diálogo e de pontos de convergência para que tais propostas não sejam confundidas com a grilagem de terra e o “passe livre para o desmatamento e a violação ambiental”.

Na contramão do Senado, no entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ignorou os manifestantes. No mesmo momento em que o ato acontecia, negociou com os demais deputados e deputadas federais as condições necessárias para aprovação do requerimento de urgência de autoria do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para ao PL 191/2020 – projeto que libera a mineração em terras indígenas. O pedido foi aprovado e agora aguarda a deliberação direta no plenário da casa. A principal consequência para o processo como um todo é que com a urgência aprovada, as comissões permanentes, bem como os parlamentares em plenário, perdem tempo e poder de análise do impacto do projeto para o país.

Após as mobilizações e trabalhos para a aprovação da PEC dos Precatórios (PEC 23/2021), que garantiu a maior vitória do governo frente ao eleitorado, o Auxílio Brasil, tanto o Congresso Nacional, quanto o Presidente da República parecem empenhados em encerrar o último ano da atual legislatura cumprindo a promessa, feita ainda em campanha, de aprovar uma agenda ambiental marcada pelo retrocesso e destruição de importantes garantias alcançadas desde 1988.

Com o objetivo de expor e denunciar o avanço dessa pauta, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou os principais andamentos e desdobramentos dos projetos no interior do Congresso Nacional na atual legislatura para identificar o comportamento dos nossos parlamentares frente ao pacote da destruição e tecer considerações sobre o que se pode esperar daqui para frente para os projetos que ainda estão sendo analisados tanto no interior da Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal.

1. Andamento dos projetos no interior da Câmara dos Deputados

Dos seis projetos que compõem o “Pacote da Destruição”, três deles já passaram pela análise e aprovação dos Deputados e agora esperam a análise dos senadores. São eles o PL 2159/2021 (PL do Licenciamento Ambiental), o PL 233/2020 (PL da Grilagem) e o PL 6299/2002 (PL dos Agrotóxicos).

A primeira característica que une e explica o avanço desses três projetos na Câmara dos Deputados, na atual legislatura, é a aprovação do pedido de tramitação em urgência, requerida pelos líderes partidários. A partir da aprovação de um pedido como este, todo e qualquer projeto é automaticamente retirado do interior das comissões para ser votado em plenário. O projeto ganha em termos de prioridade de votação, mas perde muito em tempo hábil de análise dos impactos de seu conteúdo, dado que os relatores das comissões permanentes são obrigados a encerrarem seus pareceres e a os emitirem em plenário, instantes antes de acontecer a votação.

Uma vez em plenário, esses projetos ainda são passíveis de serem modificados pelos parlamentares através da apresentação de emendas, cabendo também aos relatores a decisão sobre o acolhimento ou não destas. No que se refere aos três projetos citados acima, somente as emendas dos parlamentares ligados ao grupo do Centrão foram aprovadas pelos relatores em plenário. As emendas apresentadas pelos demais partidos, em sua maioria pela oposição, foram todas rejeitadas.

No entanto, esse quadro não espanta e pode ser explicado pela presença exclusiva de relatores do Centrão escolhidos para proferirem seus pareceres favoráveis às propostas e às suas respectivas emendas em plenário. A estreita relação dos relatores do PP, do PL e do Solidariedade com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), bem como com o governo resultou não só na agilidade na tramitação dos projetos, bem como na sua aprovação.

Gráfico 1 – Emendas apresentadas e aprovadas na Câmara dos Deputados


Fonte: Câmara dos Deputados

No plenário da Câmara dos Deputados, a adesão ao projeto que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental, ao projeto da grilagem e ao projeto que também flexibiliza as regras para aquisição e distribuição de agrotóxicos no país foi massiva. Mesmo com a realização de audiências públicas que trouxeram para o debate importantes grupos da sociedade civil contrários à proposta, ambos os três projetos foram aprovados por mais de 71% dos parlamentares da casa, em placares idênticos que marcaram 290 votos favoráveis contra 115. Novamente, os partidos do centrão foram os que tiveram mais parlamentares votando favoravelmente às propostas, e de forma coesa.

Gráfico 2. Taxa de adesão dos parlamentares ao “Pacote da Destruição” na Câmara dos Deputados


Fonte: Câmara dos Deputados

Os únicos dois projetos do pacote que ainda estão sob a análise dos deputados e deputadas são: o PL 490/2007, que altera a sistemática de demarcação de terras indígenas e consolida a tese do marco temporal, e o PL 191/ 2020, que libera a mineração em terras indígenas.

O PL 490/2007 está tramitando em regime ordinário e está pronto para ser votado no plenário da Casa. Tanto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), quanto a Comissão Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), sob a relatoria dos deputados Wladir Neves (PSDB-MG) e Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), respectivamente, ofereceram pareceres favoráveis à proposta. Somente a relatora, deputada Iriny Lopes (PT-ES), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) apresentou parecer contrário à proposta.

Já o PL 191/2020 foi o projeto que obteve o pedido de urgência, de origem do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), aprovado no mesmo dia em que manifestantes realizavam o “Ato pela Terra”. A julgar pelos pareceres apresentados e pelo rito de tramitação dos demais projetos já aprovados, a expectativa é a de que o cenário favorável à aprovação de ambas as propostas se mantenha.

2. Expectativas quanto ao andamento do Pacote da Destruição no Senado Federal

Além dos projetos que versam sobre o licenciamento ambiental, sobre a grilagem e sobre a aquisição e distribuição de agrotóxicos, o Senado Federal ainda deve concluir a análise do PL 510/2021 que flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistorias.

Apesar das promessas do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de seguir com cautela na análise de tais propostas, a tendência é a de que os projetos, na verdade, também não encontrem resistência para serem aprovados no Senado.

Atualmente, todos os quatro PLs do “Pacote da Destruição” que se encontram na casa (PL 2159/2021; PL 2633/2020; PL 6299/2002 e o PL 510/ 2021) estão ainda na fase de análise pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA), de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição e Justiça (CCJ). Não há, até o momento, nenhuma decisão mais substantiva a respeito destas propostas.

Somente a título de realizar um exercício preditivo, o OLB analisou a composição partidária de cada uma das comissões acima citadas e do plenário do Senado. Comparando tal composição com o comportamento que os partidos políticos apresentaram na aprovação destas propostas na Câmara dos Deputados, o esperado, como mostramos no gráfico 3, é que estes projetos também sejam aprovados no Senado Federal.

Como apresentamos anteriormente no gráfico 2, a maioria dos partidos que hoje integram a CA, a CRA, a CCJ e o próprio plenário do Senado votaram majoritariamente a favor da aprovação das propostas do pacote. Ao assumirmos que partidos políticos são atores unitários, o esperado é que o mesmo comportamento apresentado por esses atores na Câmara, se repita, também, no Senado Federal.

Gráfico 3. Composição partidária das Comissões e do plenário do Senado Federal


Fonte: Senado Federal

Em um olhar mais detalhado sobre a tramitação destes projetos no Senado, a ocupação das atuais relatorias das comissões parece confirmar ainda mais o diagnóstico a favor da aprovação das propostas. O PL 510/2021 e o PL 2633/2020, por exemplo, estão tramitando conjuntamente. As matérias encontram-se na CA e na CRA, onde o relator designado, senador Carlos Fávaro (PSD- MT), já apresentou parecer favorável às propostas.

Já o PL 2159/2021 aguarda no interior da CRA o parecer da relatora e senadora Katia Abreu (PP-TO). A expectativa é a de que a relatora também emita parecer favorável à proposta que flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. Atualmente a senadora faz parte da bancada ruralista – defensora dos interesses do agronegócio no país e já declarou que, segundo ela, haveria um excesso de burocracias e de regras no processo de licenciamento que atrapalhariam o desenvolvimento do agronegócio no país.

Por fim, o PL 6299/2002 que trata sobre as regras de aquisição e distribuição dos agrotóxicos retornou recentemente para análise dos senadores e ainda não está sendo analisado por nenhuma comissão. A expectativa é de que a CMA e a CRA analisem a proposta. O atual presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), no entanto, se diz preocupado com a alta probabilidade de aprovação. Compondo a minoria e oposição no interior da CMA, Jaques acredita que a maioria dos membros da comissão serão favoráveis à proposta.

3. Conclusões e pontos de destaque

  • Ainda que o chamado “Pacote da Destruição” esteja sendo alvo de constantes manifestações e debates com a realização de audiências públicas, a rápida escalada e as movimentações para sua aprovação parecem ser inevitáveis. Como o OLB mostrou, tanto a composição partidária da Câmara dos Deputados, quanto a composição do Senado Federal favorecem a aprovação das propostas.
  • Com o uso de estratégias regimentais como a aprovação de pedidos de urgência, a Câmara dos Deputados conseguiu acelerar a aprovação de três dos seis projetos que são contrários à preservação ambiental. Com a urgência aprovada, o tempo hábil de análise das comissões e do plenário diminui e o pré-acordo entre parlamentares do centrão acaba sendo determinante para aprovação dos projetos. Os outros dois projetos que ainda estão em análise na casa devem seguir pela mesma estratégia de tramitação.
  • No senado, os projetos que ainda estão em fase de análise apresentam grandes chances de serem aprovados. A atual composição partidária das comissões de Meio Ambiente e da Agricultura e Reforma Agrária confirma o padrão de votação encontrado na Câmara. O mesmo se repete para a composição partidária do plenário do Senado.
  • As chances de aprovação das propostas no Senado também se confirmam quando olhamos para as relatorias. Tais cargos na CMA e na CRA no Senado são ocupados, atualmente, por partidos que defendem abertamente a aprovação do “Pacote da Destruição”.
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